terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O meu 2012, em livros (Parte II) - Alemanha

Alemanha
Se antes disse que vivi numa cidade de facto trilingue, bem que podia juntar mais uma língua do país à cidade em que vivi também. O alemão é uma das três línguas oficiais da Bélgica. Isto acontece apenas devido a uma pequena região fronteiriça que foi transferida para o país da batata frita após o Tratado de Versailles no final da 1ª Guerra Mundial. Os nazis ainda lhes deitaram a unha na 2ª Guerra, mas não por muito tempo. Mas nas ruas de Bruxelas, e em particular na zona das instituições, ouvir-se falar alemão é frequente. Não deveria ter sido a surpresa que foi para mim. E não era só na rua que eles estavam em maioria, em casa também.

Não sei, mas acredito que todos os povos se auto-analisem de forma massiva. Mas para alguns deve ser mais difícil. Apesar de uma amostra relativamente pequena para um povo tão grande, vi as diferentes partes que já imaginava: a alemã que pensa que os espanhóis são todos uns preguiçosos que queriam uma casa na praia; a assistente parlamentar de uma colega de Merkel que parece não conseguir disfarçar o que sente, mais do que o que pensa, enquanto discutimos eurobonds; o alemão socialista cauteloso com as palavras, de opinião respeitosa e equilibrada, a alemã de esquerda incapaz de disfarçar o incómodo de ouvir o hino nacional e que não é particular fã de ver a bandeira do país espalhada pelas ruas, coisa que se começou a generalizar por alturas de torneios da bola desde 2006. Não sei se é um sentimento de culpa de que se apropria, medo que se abra alguma caixa de Pandora, ou apenas necessidade de garantir distanciamento de elementos que ainda queiram ressuscitar velhos fantasmas. (tema de um artigo recente não muito bem escrito, mas que tem dado de falar, no Der Spiegel)

 

Germany: Unravelling an Enigma não desvendou enigma nenhum. Tem pontos interessantes, e até pode ser um bom guia de como “ser romano em Roma”. Mas fui iludido pelos pequenos passeios históricos da primeira metade do texto. Num registo completamente diferente, Hitler, de Ian Kershaw, é uma obra extraordinária. Em primeiro lugar, pelo tom equilibrado que o autor atinge em 1000 páginas de texto sobre uma figura destas. Quando os factos falam por si, não são precisas muitas palavras para sublinhar o nojo causado. Kershaw descreve toda a vida do ditador, deixando perceber como a criação do mito do líder e o distanciamento em relação aos subordinados, ao mesmo tempo que foi inevitável para assegurar a sua sobrevivência sem demasiadas purgas internas (como fez Estaline), criou também os mecanismos que instigaram os horrores conhecidos, enquanto os seguidores se esforçavam para tornar as suas visões inicialmente hiperbólicas em realidade. A rápida ascensão ao poder de um partido insignificante é também uma história notável, assim como o jogo político que leva às primeiras “vitórias” pré-guerra contra uma Europa ainda demasiado tímida. Essas vitórias levam a uma crença nas próprias capacidades muito para além da realidade; Hitler convence-se da sua infalibilidade, receita certa para o colapso nos anos finais da guerra. Até que, coerente como sempre, “percebe” em Abril de 1945 que o próprio povo alemão fracassou e merece o que lhe está a acontecer. Hitler é uma figura repelente até ao último momento da sua vida; alguém que, por um conjunto de acasos da história conseguiu ultrapassar cada obstáculo que deveria ter sido intransponível; alguém que pesará ainda por muito tempo na consciência colectiva alemã e europeia. É frequente dizermos que essa memória tem de ser preservada, para que não se repita. É preciso então também que não seja desvalorizada com comparações estúpidas entre 1942 e 2012.

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