Li recentemente o romance de Fiódor Dostoiévski "Os Demónios". Admitindo que sou um amante deste autor russo, tenho no entanto de dar um especial destaque a esta obra. Centrando-se nos habitantes de uma pequena cidade de província, Dostoiévski conta-nos a história de um grupo de pretensos revolucionários e as suas acções para acelerar a queda das instituições dominantes na sociedade russa da segunda metade do século XIX.
Os primeiros capítulos são longamente descritivos e a sua importância só mais tarde é totalmente entendida. Mas uma vez dobrada esta fase introdutória a acção acelera e ficamos presos à trama que nos revela a cega vaidade de Iúlia Mikháilovna, à falta de escrúpulos do manipulador Piotr Stepanóvich, mas sobretudo a aparentemente inquebrável indiferença e misantropia do anti-herói Nikolai Vsevolodovitch.
Ao longo da rica intriga, tecida com a habilidade que só um grande mestre possui, Dostoiévski, oferece-nos uma viagem à profundeza da natureza humana. Entre amores e ódios, intensos como apenas o são nos clássicos russos, vêm ao de cima a mesquinhez mas também a generosidade e a possibilidade, até ao último momento, do arrependimento sincero e da redenção. Não menos interessante é o retrato das tensões e contradições que atravessavam a Rússia, a meio caminho entre o feudalismo e a modernidade.
Um contributo excepcionalmente prazeroso para entender como poucas décadas depois o ineficaz czarismo deu lugar ao catastrófico experimentalismo da suposta sociedade científica, governada pelas iluminadas elites soviéticas.
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