terça-feira, 18 de setembro de 2012

Coelho a marcar passos

Com quase duas semanas de atraso, mas com a certeza de não terem faltado análises avisadas e com as quais concordo, venho dissertar sobre as medidas anunciadas pelo primeiro-ministro no dia 7. Convém recordar que o pano de fundo das novas medidas foi a apresentação de alternativas ao corte dos dois subsídios na função pública, imposto pelo Tribunal Constitucional (embora a decisão deste orgão seja passível de várias interpretações). De forma confusa e mal explicada, Passos Coelho comunicou ao país que irá subir a contribuição dos trabalhadores para Segurança Social em 7 pontos percentuais (de 11% para 18%). O objectivo, tentou explicar, é compensar o subsídio reposto à função pública em 2013 e permitir aliviar a contribuição das empresas (a famigerada TSU) de 23,75% para 18%, com vista à recuperação de alguma competitividade das empresas.

Boas intenções à parte, o que os portugueses viram, objectivamente, foi uma transferência clara de riqueza das famílias para as empresas. Tão irónico ver o "ultra-liberal" ministro das finanças a explicar a criação de um "mecanismo" que impedirá as empresas de canalizar a poupança para os seus accionistas. A consolidação pelo lado da despesa dará, assim, lugar a um pesado aumento de impostos.

Após anos de sacrifícios impostos aos portugueses, que estoicamente têm contribuído para a boa implementação do plano de ajustamento, uma medida de tamanha magnitude tem de ser submetida à mais rigorosa das análises custo-benefício. Os benefícios são, de um ponto de vista académico, discutíveis. A formulação original do conceito de desvalorização fiscal prevê uma descida da TSU combinada com uma subida do IVA. Na prática, desceriam os custos de produção e, com a subida dos preços no mercado interno, as exportações tornavam-se relativamente mais apetecíveis. Recordemos que o actual executivo procedeu à subida do IVA mas abdicou da descida da TSU.

Na proposta actual a procura interna também é desincentivada, mas de uma forma mais agressiva, resultante de uma redução do rendimento disponível das famílias. Não só o consumo é afectado mas muito provavelmente o maior sacrifício será na poupança das famílias. O ganho acrescido de competitividade para as empresas existe, por via da diminuição do custo do trabalho. Mas tenho dúvidas que este ganho nas exportações não seja mais do que esmagado pela repressão forçada do consumo das famílias. Recordemos que as famílias portuguesas já fizeram um ajustamento a todos os níveis notável no seu consumo, com consequências óbvias, por exemplo na taxa de desemprego. Quão confrangedor foi ver Passos Coelhos lamentar o excesso de poupança das famílias. Se é discutível que haja um excesso de poupança , é certo que o discurso catastrofista (mas realista) do governo sobre a bancarrota do país foi uma das suas principais correntes de transmissão do novo paradigma para os lares dos portugueses.

Mas ainda a nível dos custos, há para mim um custo maior e mais significativo, e que torna esta opção do executivo num disparate colossal. A sensação de injustiça sentida pela esmagadora maioria dos portugueses, a quem tudo tem sido pedido e tudo tem dado, quebrou a solidariedade entre cidadãos e governo. Os portugueses aceitaram os sacrifícios, o PS com maior ou menor ruído tem cooperado e a UGT investiu muito do seu capital político num duro acordo na concertação social. Em 15 minutos Passos Coelho desbaratou o maior activo que Portugal apresentou à Europa desde meados do ano passado: a paz social, o desígnio nacional de salvar o país. Este é um custo imensurável mas nem por isso menos tangível.

Mais grave que o erro económico é, pois, o erro político. Diz-nos a imprensa que o primeiro-ministro foi alertado por vários dos membros do governo das consequências sociais e políticas da sua decisão. Trata-se de mais um erro de leitura e de condução políticas, que vem lembrar a falta que faz um coordenador político no governo. Esse lugar deveria ser ocupado por Miguel Relvas, que deixou de ser um para raios para passar a ser um buraco onde o primeiro-ministro tem de despejar constantemente o seu cada vez mais escasso capital político. Paralelamente a marginizalização do PS de António José Seguro, o álibi necessário à deserção socialista, e mesmo do parceiro de coligação levantam sérias questões sobre a apreciação de Passos Coelho. A desmarcação de Paulo Portas desta medida apenas não levanta maior indignação pelo oportunismo pela simples razão que a esmagadora maioria dos militantes do PSD concordam com a opinião do líder do PP.

O coro de indignação contra a descida da TSU, que na verdade é dirigido à subida da contribuição individual, foi o combustível perfeito para uma manifestão de dimensões históricas no passado fim-de-semana. O mar de gente que saiu às ruas está longe de concordar no caminho que deve ser seguido. Pelo contrário, uma metade terá, provavelmente, uma visão diametralmente oposta à da outra, em relação à necessidade de cortar o peso do nosso anafado Estado. Mas todos concordam que o governo virou no sentido errado e há que arrepair caminho o quanto antes. Do seu lado o governo tem a inevitabilidade do ajustamento e a inconsequência da sua oposição. Talvez não seja tarde de mais para recuperar alguma harmonia entre governantes e governados. Persistir num erro é errar duas vezes. Ter a humildade para saber ler as ruas será um acto de inteligência. Vox populi, vox Dei?

1 comentário:

  1. Simona Marcu20/09/12, 23:15

    Persistir num erro é errar duas vezes -- é a clássica paradigma política, porque estas mesmas pessoas que protestaram no último fim de semana têm uma memória muito curta. E sem os votos deles (necessários cada 4 anos), não se ganham eleições. Conversámos na pausa de café.

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