O FMI assumiu esta semana que errou no cálculo do multiplicador orçamental que serviu de pressuposto aos planos de ajustamento dos países intervencionados na zona euro. Concretamente, a anterior abordagem assumia que por cada euro de corte na despesa pública ou de aumento de impostos (chamemos-lhe consolidação), o PIB cairia 0,5 euros. A organização presidida por Christine Lagarde estima agora que a consolidação orçamental está a ter um impacto entre 0,9 e 1,7 euros, ou seja, o multiplicador é significativamente superior. A mudança deste pressuposto tem impacto na formulação dos planos de ajustamento, mas talvez menor do que aquele que a notícia sugere.
Em primeiro lugar importa esclarecer uma dúvida frequente associada à análise do multiplicador orçamental. O facto de este coeficiente ser maior ou menor do que 1 não é decisivo para saber se a consolidação deve ou não ser feita de todo. O efeito negativo sobre a economia (no curto prazo) existe sempre que o multiplicador é positivo, independentemente de ser acima ou abaixo de 1. Ora, se o efeito da consolidação orçamental é sempre recessivo, fará sentido persistir no combate ao défice um pouco por toda a zona euro?
Para decidir se consolidar faz sentido ou não (ou qualquer outra decisão económica), devemos sempre centrar-nos no custo de oportunidade, isto é, comparar o resultado esperado de uma opção com os resultados esperados das alternativas reais. Assim, importa confrontar as consequências dos cortes de despesa e aumentos de impostos com as consequências da sua ausência.
A meu ver, é realista afirmar que não atacar os crónicos défices tem um efeito mais nocivo sobre o PIB do que avançar com a consolidação no actual contexto, em troca de um financiamento assegurado a juros mais baixos do que aqueles que o mercado nos disponibiliza. Voltando à análise de alternativas realistas, a única em cima da mesa seria deixar de haver financiamento externo da nossa economia, com um impacto recessivo colossal na produção de riqueza. Mais ainda, a consequência do nosso estrangulamento financeiro seria um mix tóxico de cortes de despesa pública, aumento de impostos e inflação bem mais gravoso do que o actual. O país estaria falido. Punto e basta.
No entanto, a dimensão do multiplicador tem um grande impacto na definição do ritmo ideal do ajustamento. Se o multiplicador é maior isso significa que o efeito recessivo da consolidação orçamental no curto prazo é também maior. Uma consolidação demasiado rápida neste contexto, especialmente quando a procura externa está também deprimida, pode ser self-defeating, provocando um colapso da economia. Portanto, um multiplicador maior sugere a necessidade de um ajustamento mais lento e/ou mais medidas de compensação, como reformas que estimulem o crescimento económico e permitam contrapor em parte o efeito recessivo do corte de despesa/aumento de impostos. Está também amplamente documentado que cortes na despesa têm efeitos menos recessivos do que aumentos de impostos.
Uma outra variável, possivelmente a crucial, é a da política monetária. Esta é, na zona euro, uma prerrogativa exclusiva do Banco Central Europeu. Uma redução do stock de dívida é tanto mais difícil quanto menos expansionista for a política monetária. Entendo aqui uma política expansionista como aquela que resultaria numa taxa de inflação mais elevada do que a actualmente prevista, sendo que o mandato do BCE é claro ao exigir um valor próximo mas abaixo de 2%.
A inflação ajuda no combate à dívida pois é um default encapotado. É uma transferência de riqueza de credores para devedores, uma vez que o valor real da dívida baixa. As receitas do estado (impostos) acompanham a subida de preços mais de perto do que as suas despesas. O caso dos salários é paradigmático: em caso de congelamento há uma redução dos salários em termos reais. A política monetária pode, então, tornar o ajustamento mais rápido. É defensável afirmar que as suas consequências são menos gravosas do que as de mais incumprimento por parte dos países soberanos. Não se pede que se liguem as impressoras sem critério, nem uma meta superior a 2% é automaticamente um sinónimo de regresso ao pesadelo hiperinflacionista da Alemanha de Weimar. No passado foi assim que a Europa e os EUA recuperaram da dívida acumulada nas décadas de 30 e 40 do século XX, lançando uma época dourada de expansão económica.
Nos últimos anos vem ganhando notoriedade uma escola de pensamento económico, comummente designada de market monetarism, que defende que a meta da política monetária deve ser o produto nominal (ou seja, o produto real mais a inflação) e não apenas a variação dos preços. Este é um tópico demasiado complexo para este texto e não sou a pessoa mais habilitada a expor os seus fundamentos. O importante é notar que existe uma sólida teoria por detrás destas posições, não sendo um mero expediente para facilitar a vida aos políticos. Alguns bancos centrais em países desenvolvidos têm já, aliás, avançado cautelosamente neste sentido.
Resumidamente, a nova posição do FMI não vem pôr em causa o imperativo de reduzir o peso de um Estado sobredimensionado e que sufoca a Europa, contribuindo para o declínio económico. Vem, porém, lembrar que não há receitas universais. Abre também o caminho para a reflexão de que há um ingrediente fundamental na cozinha da política económica que não tem sido devidamente utilizado. Sem exageros, é preciso adicionar política monetária q.b. na crise do euro.
A inflação ajuda no combate à dívida pois é um default encapotado. É uma transferência de riqueza de credores para devedores, uma vez que o valor real da dívida baixa. As receitas do estado (impostos) acompanham a subida de preços mais de perto do que as suas despesas. O caso dos salários é paradigmático: em caso de congelamento há uma redução dos salários em termos reais. A política monetária pode, então, tornar o ajustamento mais rápido. É defensável afirmar que as suas consequências são menos gravosas do que as de mais incumprimento por parte dos países soberanos. Não se pede que se liguem as impressoras sem critério, nem uma meta superior a 2% é automaticamente um sinónimo de regresso ao pesadelo hiperinflacionista da Alemanha de Weimar. No passado foi assim que a Europa e os EUA recuperaram da dívida acumulada nas décadas de 30 e 40 do século XX, lançando uma época dourada de expansão económica.
Nos últimos anos vem ganhando notoriedade uma escola de pensamento económico, comummente designada de market monetarism, que defende que a meta da política monetária deve ser o produto nominal (ou seja, o produto real mais a inflação) e não apenas a variação dos preços. Este é um tópico demasiado complexo para este texto e não sou a pessoa mais habilitada a expor os seus fundamentos. O importante é notar que existe uma sólida teoria por detrás destas posições, não sendo um mero expediente para facilitar a vida aos políticos. Alguns bancos centrais em países desenvolvidos têm já, aliás, avançado cautelosamente neste sentido.
Resumidamente, a nova posição do FMI não vem pôr em causa o imperativo de reduzir o peso de um Estado sobredimensionado e que sufoca a Europa, contribuindo para o declínio económico. Vem, porém, lembrar que não há receitas universais. Abre também o caminho para a reflexão de que há um ingrediente fundamental na cozinha da política económica que não tem sido devidamente utilizado. Sem exageros, é preciso adicionar política monetária q.b. na crise do euro.
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