Jens Weidmann, presidente do Bundesbank, o Banco Central da Alemanha, dá hoje uma entrevista ao Público e a 3 outros jornais, de Espanha, Itália e Grécia. A entrevista sintetiza muito bem o ponto de vista das autoridades alemãs nesta crise: os programas de ajustamento hão de funcionar, têm de ser implementados com rapidez e força, e não se pode exigir à Alemanha que assine mais garantias, sem haver que haja maior controlo dos países.
É difícil ler a imprensa portuguesa e não ficar a achar o pior da Alemanha e de Merkel. Mas a verdade é que estes pontos de Weidmann têm o seu quê de razoável. É inegável que os países em dificuldade precisam de reformas; e Weidmann diz que não serão estímulos à construção de infraestruturas que irão resolver o problema destes países, mais ligados à burocracia e a um sistema fiscal ineficiente, diz ele. Não sei se essa generalização pode ser feita a todos os países; pelo menos o nosso teve progresso na era Sócrates no que toca à burocracia. Mas não acho que seja por falta de infraestruturas que o nosso país esteja com problemas. E o nosso problema de competitividade externa é resolvido com uma maior competição interna e abertura ao exterior.
Weidmann insiste também na força que os acordos já feitos têm que ter. E tem também um ponto relevante aqui. Se cada acordo que se assina puder ser posto em causa logo a seguir, então, todos os acordos perdem o seu valor e não tarda não interessa o que se assina. Portanto, quem assina, tem que estar a dar a sua palavra. Quando questionado se a Grécia não deve ser considerado um caso especial, Weidmann diz que o país já foi o que mais apoio recebeu, assim como um grande perdão de dívida. E levanta outro ponto, este que penso que esteja mais esquecido por cá. Ajustar mais suavemente as finanças públicas, como se pretende por cá, pode nem sempre ser tão bom como se pensa. Diz ele que a ajuda financeira funciona como analgésico: compra tempo, mas não resolve os problemas pela raiz. Para além disso, estender as reformas no tempo não deverá aumentar o seu apoio público, tanto nos resgatados como nos países que prestam garantias. De facto, nada garante que um ajustamento ligeiramente mais suave a durar 4 ou 5 anos será mais facilmente suportado (politicamente) que um a durar 2 ou 3. E quanto mais tempo se demorar a ajustar, mais a dívida vai crescendo, atrasando o regresso à sustentabilidade orçamental.
Por fim, a questão do papel da Alemanha nestas garantias. Weidmann diz que a Alemanha não pode avançar para Eurobonds, por exemplo, sem que haja em troca uma maior integração e um maior controlo orçamental dos países (ao nível europeu). E que isso será difícil, vendo por exemplo, a resistência (compreensível) da Espanha à condicionalidade de medidas associadas ao seu resgate.
Esta última questão é particularmente importante, pois por ela passa o desenho da Europa para as próximas décadas. E se as eurobonds ou outras medidas desta natureza são então possíveis, essa mensagem não está a ser bem comunicada por parte dos alemães ao resto da Europa. Não se diga então "eurobonds não", diga-se "eurobonds talvez, mas só se". E assim a Alemanha deixa de ser "o país a dizer sempre não" e assume definitivamente o papel de liderança que de facto tem, no que toca a decidir para onde vai a Europa a seguir. Não fazendo isto, vamos mesmo andar de crise em crise e cimeira em cimeira até um final triste.
Por isso é que a razoabilidade individual de cada uma das ideias principais de Weidman acaba por não disfarçar um desconforto que temos que sentir quando olhamos para a evolução da crise da Europa, e de como um pequeno fogo se alastrou a tantos sítios e chegou agora finalmente a Espanha, como já há muito se antecipava que podia acontecer. Se talvez o problema grego até fosse inevitável, o espanhol não o era. O problema parece ser a cautela, que limita a tomada de medidas convincentes na hora certa. De facto os gregos foram os que já mais apoios receberam e tiveram perdão da dívida. Mas um perdão da dívida mais atempado poderia ter evitado problemas maiores posteriores, que exigem medidas maiores. Os problemas vão continuar como até agora. Porque não basta ter água para apagar o fogo, se ela só chegar quando ele já está a queimar o terreno do vizinho.
P.S.: já a inflexibilidade no que toca à intervenção do Banco Central Europeu, por mais que perceba os receios, parece-me exagerada.
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