quinta-feira, 31 de maio de 2012

Das couves e dos porcos


A utilização do Terreiro do Paço para a realização do piquenique do Continente, abrilhantado por Tony Carreira e por agricultores (com respectiva fauna e flora) está a agitar a vereação da Câmara Municipal de Lisboa. Consideram os vereadores da oposição (da esquerda à direita) que tal plenário de música popular, vida rural e marketing é indigno da praça que simboliza a autoridade central nacional.

Pelo uso do espaço os promotores comparticiparão o restauro da estátua de D. José na dita praça e apoiarão várias outras acções em Lisboa. Serão ainda doadas cinco toneladas de alimentos a instituições de solidariedade. Naturalmente estas contrapartidas acrescem ao evento em si, que deverá ser do agrado dos cidadãos em nome de quem os vereadores falam, uma vez que no ano passado estiveram presentes cerca de meio milhão de pessoas.

O cartaz musical e etnográfico não me diz rigorosamente nada. Vou mesmo maximizar o número de quilómetros entre mim e a Praça do Comércio nesse dia. Não esqueço que nos outros dias do ano as grandes distribuidoras promovem políticas comerciais muitas vezes ruinosas para os seus fornecedores. Mas não vejo qualquer indignidade. Música portuguesa que vende milhares de discos. Produção agrícola portuguesa cuja importância é bradada ad nauseam por todos os partidos.

É pois uma forma expedita de promover actividades que agradam a centenas de milhares e de financiar obras na cidade, numa altura em que as dificuldades orçamentais apertam. Só posso repetir o argumentário que usei quando foi dado o nome de uma empresa à estação de metro Baixa-Chiado. Estamos perante hipocrisia ou inconsequência. Os decisores políticos não seguem o raciocínio até ao fim: se o dinheiro não vier destes patrocínios terá de vir de outro lado ou o investimento não será feito. O suposto dano à dignidade (que rejeito) é mesmo mais importante que a despesa social que será cortada ou as obras que ficarão por fazer?

Interrogo-me se haveria o mesmo coro de protestos se em vez de couves e porcos embalados por Tony Carreira tivéssemos uma mostra de orquídeas e cangurus ao som de Rodrigo Leão.

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