Acabou hoje a carreira política de Berlusconi. Não posso deixar de me alegrar com a saída de cena de uma das figuras mais tristes da história recente do nosso continente. O consulado de "Il Cavaliere" ficará na memória popular pelos inúmeros escândalos sexuais e pelas infelizes intervenções humorísticas a que recorria frequentemente, tantas vezes marcadas pelo machismo. Este monopólio do domínio do patético seria suficiente para o considerar uma nódoa e uma doença grave da democracia Italiana.
Porém, mais grave para o futuro do seu país e da Europa, foi o uso que Berlusconi fez do poder. Foi eleito pela primeira vez com uma aura de homem de negócios bem sucedido, a pessoa ideal para desbloquear o eterno marasmo da economia italiana. Ao longo dos seus vários mandatos na última vintena de actos fez exactamente o contrário: deu continuidade ao sistema de interesses instalados, favorecendo os seus aliados. Foi mudando aqui e ali, para que tudo ficasse na mesma, parafraseando Giuseppe di Lampedusa. Na política externa foi criando a aversão dos seus parceiros europeus, mas não lhe faltaram aliados. Os preferidos eram Kadafi e Putin. Neste último mandato teve uma única preocupação, alterar a legislação para salvar a própria pele das acusações de crimes económicos e, mais recentemente, sexuais.
O resultado é conhecido de todos. Uma economia estagnada (na última década só o Haiti e o Zimbábue cresceram menos), com uma dívida superior a 100% do PIB que, com a recente desconfiança dos mercados, ameaça entrar numa espiral rumo à insolvência. Por arrasto ameaça levar a já debilitada Zona Euro. Berlusconi sabia disto, mas para espanto de todos continuou a protelar toda e qualquer reforma. Só a humilhação pública o impeliu a encetar tímidos esforços reformistas.
Feito o obituário, interessa olhar para o futuro. A Itália é solvente se tiver juros suportáveis. Com um saldo orçamental primário positivo (isto é, antes de juros), facilmente reduziria o seu endividamento se fossem feitas reformas estruturais que libertassem a economia e a pusessem a crescer. Ao que tudo indica o país terá agora um primeiro-ministro tecno e eurocrata. Possivelmente será o melhor para iniciar as reformas. Mas a confiança dos investidores não se recupera rapidamente. Entretanto só o Banco Central Europeu pode assegurar que os juros não sufocam a Itália (e a Espanha). Para tal, será preciso coragem em Frankfurt, mas também o apoio claro de Berlim.
No entanto, o duo Merkozy e a restante UE não podem esperar que sejam os nomeados de Bruxelas a implementar as mudanças radicais que os países da Europa periférica necessitam. As reformas estruturais serão duras e terão impactos sérios na vida de populações que durante décadas viveram acima das suas possibilidades e com protecções que lhes tiraram a capacidade de se adaptarem à mudança. Mudar isto só pode e só deve ser feito com o acordo dos cidadãos. Se acreditamos no futuro da Europa temos de acreditar no bom senso dos Europeus. Portugal e a Irlanda foram a votos e as suas populações aprovaram por maioria o caminho da mudança. Espanha fará o mesmo na próxima semana. A Grécia e a Itália terão de o fazer e quanto antes melhor. A liderança hesitante da Sra. Merkel é também o reflexo do seu receio de ir contra a vontade dos alemães.
A Europa unida foi quase sempre construída à revelia dos europeus. Sou um europeísta convicto e acredito que populações esclarecidas tomarão decisões sensatas. Os Europeus merecem ser ouvidos, não só os gregos e os italianos, mas também os alemães.
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