Um assunto que me provoca alguma urticária é a forma como são divididos os salários em Portugal. Não, não estou a falar da desigualdade de rendimentos, embora essa também seja uma problemática importante e com causas e consequências mais extensas do que o discurso demagógico de alguns ignorantes permite adivinhar.
Em Portugal, um trabalhador que não falte ao seu emprego pode trabalhar menos de 11 meses num ano (25 dias úteis de férias) e receber 14 salários. Isto é um absurdo. Podia ser maior, os nossos camaradas gregos tinham 15 salários, graças ao seu subsídio de Páscoa (olhando para trás, dá vontade de rir ao pensar no grau de alienação de quem introduziu estas práticas socialmente progressivas). Só num país incrivelmente rico é que não só recebemos um salário quando vamos de férias, como até recebemos um subsídio para ajudar!
Bem sei que na prática a massa salarial não é muito afectada por esta prática: se só houvesse 12 (já não digo 11) salários mensais, estes seriam maiores e tudo ficaria mais ou menos na mesma. Certo. Mas acredito que há outros efeitos que devem ser considerados. Quanto mais separarmos a remuneração do acto da produção (manual ou intelectual), mais difuso é o nexo entre os dois, menos óbvio se torna que temos e devemos produzir para podermos ser recompensados.
Quanto menos directa for a ligação entre os dois, menor é o incentivo a trabalharmos. O nosso sistema de 14 salários por menos de 11 meses de trabalho é simultaneamente causa e consequência da cultura pouco virada para o trabalho que temos. Já sei que é politicamente incorrecto dizê-lo, mas é verdade. Trabalhamos o mínimo indispensável, porque tem mesmo, mesmo de ser. Se pudermos marcar qualquer coisa na hora do trabalho tanto melhor.
Se multiplicarmos esta situação pelos milhões de trabalhadores e empregadores temos muita riqueza perdida e temos uma envolvente cultural que não nos incentiva a aperfeiçoarmo-nos, deixando-nos menos preparados para competir cá dentro e lá fora.
Sair da nossa maior armadilha, que é a da estagnação e não a da dívida, passa também por aqui. A única opção que nos tornará melhores e mais prósperos é ir à luta e não enterrarmos a cabeça na areia, achando que nós é que estamos bem e os americanos ou os alemães é que são mesmo parvos por trabalharem tanto. A ilusão de que vivemos melhor assim sai cara, e o que estamos a viver é também factura disto.
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