Portugal, como muitos outros países desenvolvidos, enfrenta o dilema de como irá conseguir viver dentro das suas possibilidades sem prescindir de funções do Estado que se consideram essenciais ao bom funcionamento do país: defesa, educação, saúde, reformas, etc..
Centrando-me no nosso país, o governo decidiu não fazer alterações significativas no âmbito de actuação do Estado, optando por reduzir de forma transversal o financiamento das entidades públicas, acreditando que se poderá prestar uma quantidade semelhante de serviços por menos dinheiro, eliminando essencialmente os desperdícios e as ineficiências, que são imensas como sabe qualquer cidadão. Resumindo, procura-se fazer o mesmo com menos, se não mesmo mais com menos, ao falar-se num Estado mais ágil e próximo das pessoas.
A alternativa é o Estado restringir a sua actuação, deixando de possuir e/ou gerir organizações que prestam determinados serviços. Neste caso estamos perante fazer menos com o mesmo, ou preferencialmente menos com menos, dado que a redução de serviços prestados pelo Estado deverá seria idealmente acompanhada pela redução dos impostos arrecadados. No entanto, dado o desequilíbrio entre receitas e custos e ainda a dívida acumulada, esta segunda opção não é realista no curto ou mesmo médio prazo.
Penso que é relativamente consensual que a actual abordagem não está a resultar. O governo tem apostado em apertar cada vez mais o cinto, mas parece impossível gastar muito menos com a actual configuração do Estado. Penso que uma analogia possível, ainda que exótica, é a de um obeso, cujo tratamento tem sido centrado única e exclusivamente em cortar cada vez mais nos alimentos. O resultado é uma redução da gordura por todos os lados, de forma indiscriminada e acaba com falência de órgãos.
O resultado deste corte cego, sem uma visão pensada de um novo corpo para o Estado, tem-nos conduzido simultaneamente a resultados desapontantes no corte da despesa e à perda de qualidade nos serviços: polícia sem gasolina nos carros, tribunais sem impressoras, escolas com falta de auxiliares. Ao enfraquecer toda a administração pública estamos não só a prejudicar os cidadãos mas também as empresas, diminuindo a nossa capacidade de crescimento e tornando impossível sairmos da armadilha da dívida em que menos despesa nos leva a menos receita.
O único caminho possível é atrevermo-nos a olhar para a máquina pública com coragem para prescindirmos de algumas das actuais funções. Será que temos mesmo de ser donos de uma companhia aérea, dos aeroportos, da rede eléctrica? Por que não partilhamos recursos de defesa nacional com Espanha, como estão a fazer França e o Reino Unido? Será que muito do trabalho burocrático, como a emissão de cartas de condução, tem de ser feita pelo Estado? E na saúde e na educação, não deveria o Estado ter um papel crescentemente regulador e cada vez menos de gestor? Achamos mesmo que nomeações políticas conduzem a uma gestão eficaz?
Acreditar que no Estado, como na sociedade em geral, ao apertarmos a restrição orçamental estaremos a estimular eficiência é um engano. Voltando ao obeso, cortar na alimentação não chega. É preciso fazer exercício. Só se cada um dos membros do corpo do Estado tiver uma cultura de mérito, em que podemos recompensar os produtivos e dispensar os que não dão retorno ao custo que representam, irá a diminuição de financiamento despoletar uma máquina mais eficiente.
Isto leva-me ao funcionalismo público. Os funcionários públicos são um boneco atirado de um lado para o outro nas batalhas políticas. Os mesmos funcionários que tiveram um aumento salarial escandaloso em 2009, viram os seus salários cortados unilateralmente, numa medida que seria impossível no sector privado. Mais grave ainda, esta medida pune de igual forma o que é diferente. Bons e maus funcionários recebem o mesmo salário e são atingidos pelo mesmo corte. A verdade é que os principais culpados desta instrumentalização são os próprios funcionários públicos e os seus sindicatos. Ao resistirem durante anos a todo o tipo de avaliações, ao manipularem as classificações e ao baterem-se por salários tendencialmente homogéneos, impedem a diferenciação. Impedem que seja possível aos governos e aos cidadãos saberem quem são os bons e quem são os fracos, quem merece ser recompensado e quem merece ser dispensado. Assim, põem-se a jeito para serem todos postos no mesmo saco e, a natureza humana é mesmo assim, esse saco é o dos maus funcionários.
Demorámos quase 40 anos em democracia para perceber que não existe dinheiro do Estado, existe dinheiro das pessoas e de que o Estado se apropria, para nos servir. Agora que a factura chegou, o meu apelo é para que os partidos que vierem a compor o próximo governo, repensem as funções do Estado e quebrem a cultura de opacidade que ainda é norma nos serviços públicos. Sufocar-nos com mais impostos e cortar sem critério não funciona. A alternativa além de eficaz é moralmente mais justa e ajudará a criar uma cultura mais meritocrática no país, estimulando o crescimento, o que beneficia a todos.
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